Livro “Academia da Leitura do Mundo”: Manual sobre um programa transformador para os jovens

De acordo com o Eurobarómetro, 81% dos jovens portugueses entre os 16 e os 25 anos pensam já ter sido expostos a “informação falsa”. É neste contexto que surge Academia da Leitura do Mundo: o Jornalismo, a Comunicação e Eu, uma obra disponível online que reúne os resultados de um projeto em que foi criada e testada uma metodologia de intervenção na comunidade escolar para ajudar os estudantes a compreender a importância da informação e do jornalismo no universo que nos rodeia.

Desde 4 de abril, jovens, educadores e académicos dispõem de mais um instrumento para reforçarem as competências na área da literacia mediática.

Com apresentação pública no Auditório Vítor Macieira, na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS), em Lisboa, o livro Academia de Leitura do Mundo: o Jornalismo, a Comunicação e Eu resulta “de um programa inovador dedicado à promoção da literacia mediática”, como explicou Ricardo Pinheiro, pró-presidente do Instituto Politécnico de Lisboa (IPL), em representação do presidente, António Belo. O também docente da Escola Superior de Música de Lisboa sublinhou ainda a relevância que a literacia mediática assume entre os jovens, sobretudo, como justificou, “por surgir num contexto em que a informação circula a uma velocidade sem precedentes”.

Numa perspetiva humanista e de proximidade, Fernanda Bonacho, organizadora da obra, docente da ESCS, onde coordena o mestrado em Jornalismo, e titular da Cátedra UNESCO Comunicação, Literacia Mediática e Cidadania, reforçou a importância de “a Eduarda saber ler o mundo, o Baltazar saber distinguir o que é notícia e opinião, e a Emmily e a Carlota perceberem a posição central do jornalismo no espaço público e reconhecerem o seu impacto nas decisões do dia a dia”. A investigadora do LIACOM (Laboratório de Investigação Aplicada em Comunicação e Média) explicou que “a facilidade do acesso à informação distorce uma leitura rigorosa da realidade e que o grande desafio é ser capaz de ler este mundo, mas também de respeitar o Outro”.

Integrada no programa das Academias Gulbenkian do Conhecimento, financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, a Academia da Leitura foi um dos 34 projetos selecionados para desenvolver competências que ampliassem as oportunidades de realização pessoal e profissional dos jovens portugueses com menos de 25 anos. A ideia do projeto da ESCS resultou do trabalho de uma equipa multidisciplinar, formada por profissionais de diversas áreas do jornalismo e da comunicação, como Vera Moutinho, Jorge Trindade, Maria José Mata, Anabela Sousa Lopes, Francisco Sena Santos, Maria Inácia Rezola, Zélia Santos, Helena Pina e Susana Araújo.

Fizeram parte desta Academia seis escolas, 400 alunos por ano e 50 professores e investigadores, com o objetivo de desenvolver as competências da comunicação, autorregulação e espírito crítico nos alunos do ensino secundário através de ações imersivas práticas, tutoriais e teóricas.

Apesar do sucesso do projeto, Fernanda Bonacho admitiu que enfrentaram dificuldades inesperadas. Tendo arrancado oficialmente em 2020, os trabalhos da Academia tiveram de se adaptar, tal como o resto do mundo, à pandemia da COVID-19. Um dos propósitos que não chegaram a ser cumpridos foi o de trabalhar com os pais dos jovens.

O principal objetivo da Academia de Leitura do Mundo era, segundo a responsável pelo projeto, trabalhar “três competências essenciais: a comunicação, a autorregulação e o espírito crítico”. “Tínhamos várias competências no programa da Academia do Conhecimento. Escolhemos estas porque achámos que eram as mais importantes dentro do trabalho da literacia mediática, do jornalismo e da comunicação”, esclareceu Fernanda Bonacho.

Ana Filipa Martins, professora na Universidade do Algarve, acrescentou ainda outra preocupação: a forma como os jovens leem o mundo e o que sabem sobre o jornalismo. “Identificámos um problema; sabíamos que os desafios comunicacionais eram grandes e tentámos criar um espaço em que podíamos ouvir os jovens. Queríamos encontrar o melhor de cada um e potenciar aquilo que de melhor deviam ter dentro destas áreas”, explicou.

Um projeto transformador

Da parte de quem participou na Academia, só foram atribuídas notas positivas à iniciativa. Eduarda Gouveia, Emmily Gomes, Carlota Neto e Baltazar Antunes representaram os alunos que fizeram parte deste projeto, numa conversa moderada pelo professor Luís Bonixe, docente do Instituto Politécnico de Portalegre, que também integrou a equipa.

Dos quatro alunos convidados, apenas Baltazar não seguiu Jornalismo ou Comunicação. Terminou o ensino secundário na Escola Secundária José Gomes Ferreira, em Benfica, Lisboa, com vista para a própria ESCS e a 10 minutos da Agência Lusa. No entanto, o jovem recordou que olhavam para a universidade “com distância”, por não saberem exatamente o que era uma instituição de ensino superior dedicada ao ensino da Comunicação. Apesar de ter concorrido e entrado na licenciatura de Ciências Políticas e Relações Internacionais, Baltazar Antunes confidenciou que “a Academia mostrou que o jornalismo podia ser uma via” e que o projeto lhe foi muito útil. “Acho que é interessante pegar na frase de Oscar Wilde, que dizia que a diferença entre o jornalismo e a literatura é que o jornalismo era ilegível e a literatura não era lida de todo. A meu ver, este projeto tornou o jornalismo mais legível, mais acessível aos jovens e aos estudantes”, realçou.

Eduarda e Emmily descreveram experiências muito diferentes entre si antes de participarem na Academia de Leitura do Mundo. Enquanto Eduarda Gouveia conversava mais com os pais sobre as notícias do que com os amigos, Emmily Gomes falava com os colegas.

Graças ao projeto, Eduarda está agora a estudar Ciências da Comunicação e conseguiu participar em mais um projeto financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian. “O objetivo era dar voz aos jovens para resolver problemas que achassem que existiam no mundo. No meu caso, participei num concurso, com uma colega minha, e criámos um projeto social para tentar combater o preconceito e as desigualdades. Acabámos por conseguir a bolsa para realizar um documentário sobre a comunidade cigana”, contou a jovem.

No caso de Emmily Gomes, a Academia ajudou-a a perceber que o jornalismo não era, afinal, tão longe da sua realidade como pensava. “Antes, tinha a visão de que, para ser jornalista, era preciso muita seriedade. Com o projeto, descobri que podia ter voz para falar sobre assuntos que me eram importantes. Como jovens, já temos um futuro um pouco incerto e eu não via muito sobre isso [nas notícias]. Era sempre um jornalismo muito pouco perto da minha realidade. Descobri que as coisas eram muito diferentes daquilo que eu pensava”, referiu.

Carlota Neto sempre soube que queria aparecer na televisão. Com a Academia, percebeu que o jornalismo lhe dava essa oportunidade: “Em criança, sempre me quis mostrar ao mundo e ter uma voz. Com dez anos, achava que, para aparecer na televisão, tinha de ser na área do teatro ou das novelas, mas não tinha jeito nenhum para isso. Este projeto deu-me mais vontade de aparecer na televisão e de estudar nesta área, de mostrar às pessoas que o jornalismo não é só a parte ‘seca’ do Telejornal, mas que também tem muita coisa atrás de tudo.”

Além dos alunos, também os professores manifestaram entusiasmo pela participação neste projeto de literacia mediática. Adélia Magrinho, Maria Fernanda Oliveira, Vera Moutinho e Albertina Leitão, moderadas pela professora Sónia de Sá, não só falaram sobre a experiência e sobre a forma como a iniciativa afetou as escolas, mas também recordaram o passado e o que este projeto significou para elas.

Para Maria Fernanda Oliveira, diretora do Agrupamento de Escolas Sebastião da Gama, em Setúbal, “todos os desafios que hoje se colocam à escola só podem ser atenuados e resolvidos com o enriquecimento dos currículos com projetos e com um olhar externo”. Segundo a professora, “a relevância do projeto está, em grande parte, na possibilidade de diversificar os currículos académicos dos alunos, capacitando a criação de ferramentas fundamentais para a vida enquanto cidadãos”. A docente lembrou ainda “a facilidade com que alunos participaram nas atividades, o interesse que demonstraram e a abertura para desconstruir os principais medos que sentiam na altura, como a pandemia e o futuro”.

A adesão dos alunos ao projeto foi também realçada por Albertina Leitão, professora bibliotecária da Escola Quinta das Palmeiras, na Covilhã, que afirmou que, na sua instituição de ensino, “dá-se, desde sempre, muita voz aos alunos, sendo que o projeto só lhes veio dar mais força para terem uma voz ativa na sociedade”. No que concerne a memórias dos tempos do projeto, a docente referiu que aquilo que ficou foi a resiliência: “Mesmo com pandemia e em chamadas Zoom, o projeto não morreu. Quando as escolas voltaram a abrir, alunos que nem se tinham inscrito no projeto pediram para participar, sendo que uma das alunas está hoje a estudar Comunicação na Universidade da Beira Interior.”

Nem todas as instituições de ensino abrangidas responderam com total recetividade aos desafios da Academia de Leitura do Mundo. Adélia Magrinho, professora na Escola Secundária Mouzinho da Silveira, em Portalegre, partilhou que, “de início, os alunos não estavam muito entusiasmados, por pensarem que seria um projeto muito teórico”. Só quando o tema de visitas de estudo e de atividades fora da escola se apresentou é que as defesas baixaram e os alunos, finalmente, abraçaram o projeto. Nessas turmas, alguns alunos indecisos sobre o futuro acabaram por seguir Jornalismo no Politécnico de Portalegre. “De vez em quando, é necessário entender que, mesmo no interior, há oportunidades para continuar a estudar”, comentou a professora.

Com mais alunos a juntarem-se ao leque de futuros licenciados em Jornalismo e Ciências da Comunicação, surgem novas preocupações. Para Vera Moutinho, professora na ESCS, existe um distanciamento das notícias por parte dos jovens, adicionando ainda que “muitos, quando chegam à faculdade, são o espelho desse distanciamento, sem muita escolha de fontes e das redes sociais. Embora seja esse o ambiente em que crescem, causa uma ideia enviesada do jornalismo”. A também jornalista revelou que uma das coisas que mais lhe chamaram a atenção nos alunos “foi o facto de verem o mundo num todo e não as coisas que se passavam fora do ecrã, na sua rua, com as pessoas mais próximas”. Para finalizar a intervenção, Vera Moutinho também encorajou os professores a não repreenderem os jovens por não lerem jornais, mas manifestou o desejo de que “os jornais fossem mais aliciantes aos jovens”.

Foi precisamente aos mais jovens que se dirigiram João Pedro Fonseca e Paulo Nogueira, jornalistas da Agência Lusa, na apresentação do livro Academia da Leitura do Mundo: o Jornalismo, a Comunicação e Eu. Convidados a ler a obra antes do lançamento, descreveram-na como um “manual muito útil” para as formações que os dois jornalistas ministram noutras escolas, especialmente nos tempos que correm. Atualmente, nas palavras dos jornalistas, “a ânsia de ser o primeiro a dar a notícia, o primeiro a ter o acontecimento nas primeiras páginas, muitas vezes, sobrepõe-se ao processo de fact-checking”. Com a quantidade de informação que se vê nas redes, a seleção de fontes, incentivada e explorada no livro, é, como apontaram os dois jornalistas, “cada vez mais importante no mundo do jornalismo”. Os coordenadores do projeto Escola Lusa deixaram uma mensagem muito similar à de Vera Moutinho em resposta ao distanciamento e à falta de identificação dos mais novos com as notícias e o jornalismo. Nas palavras de Paulo Nogueira, “é preciso estar próximo dos jovens e perceber como é que se pode ser mais apelativo”.

Para finalizar a sessão, subiu ao palco Lídia Marôpo, professora do Instituto Politécnico de Setúbal, que partilhou algumas lições aprendidas durante o estudo: “Temos sempre de pensar em fazer literacia mediática através de estratégias participativas, pois, como se pode ver, os jovens são sempre mais recetivos a atividades práticas em vez da teoria. Temos sempre de partir dos interesses dos jovens e tentar incluir grupos de idades parecidas para criar elos de familiaridade. Finalmente, a diversidade dos contextos é algo necessário. A sala de aula já não chega. Visitas a estúdios e a outros campus são as nossas melhores aliadas para este tipo de estudo.”

A concluir, a mesma investigadora deixou um apelo: “Para mudar o futuro, é necessário juntarmo-nos a ele, não ficar presos nas formas de ensino do passado.”

Texto por Inês Simões Gonçalves e Nuno Ferreira (alunos do 3.ª ano da licenciatura de Jornalismo), editado por Fátima Lopes Cardoso.
Fotos pelo Gabinete de Comunicação e Imagem do IPL.